segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Ser velho

A. é um cidadão de 112 anos que, na semana passada, se tornou “o homem mais velho de Portugal”. Trata-se de um título pelo qual não lutou e que, eventualmente, nem sequer desejou. A conquista do lugar, por morte da antecessora, foi, porém, suficiente para que A. se tornasse uma estrela e os jornalistas fossem visitá-lo a casa e escrevessem pequenas pérolas surrealistas como aquela que vi transcrita num jornal diário cujo nome não me apetece agora reproduzir, segundo a qual A., limitado à existência que se pode ter com 112 anos vivendo numa cama, pediu à filha uma saia e disse que queria debulhar milho. Trata-se, obviamente, de uma pessoa senil e que, por isso, não tem condições de discernir que tem direito à sua privacidade e a não se ver transformado num cromo para comprazimento geral da nação em período que, por ser festivo, gera fraco caudal noticioso. Houvesse algum pudor – e não apenas essa pequena hipocrisia que determina que não se deve revelar os nomes e os rostos de menores de idade em reportagens – e ter-se-ia deixado o senhor A. em paz. Ter 112 anos e viver como ele vive já é suficiente mau.